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"Meu Segredo Mais Sincero" - Leila Pinheiro

[FONTE: Revista Época]

“Às vezes é tão difícil sonhar, mas ela sabe que nunca vai ser vulgar uma canção de amor". Assim escreveu Renato Russo na contracapa do terceiro disco de Leila Pinheiro, lançado em 1988. À época, a cantora havia gravado Tempo perdido, um dos grandes sucessos do compositor. Foi aí que os dois se conheceram, ficaram amigos, compuseram juntos. Neste ano, Renato faria 50 anos de idade. Leia também faz 50, em outubro.

É por essa história - e para comemorar 30 anos de carreira - que Leila chega ao seu novo trabalho, o CD Meu segredo mais sincero, só com músicas de Renato Russo e da Legião Urbana. São 15 canções. Algumas poucas conhecidas como Quando você voltar e Hoje (a única parceria entre os dois) e outras clássicas do repertório do grupo, como Índios, Há Tempos e Pais e Filhos.

Para escolher o repertório, Leila mergulhou na obra de Renato e do grupo. “Foi barra-pesada. Eu terminava o dia exausta”, diz Leila, em referência à densidade do legado deixado pelo compositor. Mais que um mero CD tributo, Meu segredo mais sincero é um cuidadoso trabalho da cantora em cima das canções. Fez novos arranjos, deu novas intenções às canções. Leila, como gosta de dizer, fez tudo “na sua onda”. Não forçou a barra para parecer roqueira, não tentou se mostrar uma discípula da Legião. Ficou verdadeiro.

A voz de Renato Russo aparece na faixa La solitudine, um dueto póstumo de Leila e Renato feito para um CD em homenagem ao compositor lançado no começo deste ano. A faixa, uma canção italiana bem popular, destoa do clima que Leia imprimiu ao trabalho, mas não compromete. Mata a vontade que o álbum deixa de ouvir Leila e Renato cantando juntos.

Com co-produção de Cláudio Faria, que tocou na maioria das faixas, o disco tem a participação do ex-legião Dado Villa – Lobos em Daniel na cova dos leões e Andréa Dória. Herbert Viana também participa tocando guitarra em Quando você voltar.

ÉPOCA - Como você selecionou as 15 canções que estão no CD?
Leila - Eu adoro esse trabalho de procurar, de estudar a obra de um compositor. Faço isso em qualquer projeto meu. Com as músicas do Renato foi um pouco mais difícil. A obra dele é barra-pesada! Eu terminava o dia exausta, acabada. Lembro que durante esse processo minha empresária (Flávia Souza) dizia: “Leila, vai descansar um pouco, passear, ver um filme”. Para fazer essa seleção, eu busquei compreender o que o Renato quis dizer com suas canções, não só pela letra, mas pela música também. Eu me pautei pela possibilidade entender o que ele e seus parceiros quiseram dizer, quais eram as intenções deles. Não me importei em escolher os sucessos ou as músicas mais conhecidas dele.

ÉPOCA - O encarte do CD traz fotos de um encontro seu com o Renato Russo. Como era a relação de vocês?
Leila – Eu conheci o Renato em 1988, quando eu fui à casa dele dizer que iria gravar “Tempo perdido” no meu terceiro LP. Nesse mesmo dia, eu o convidei para escrever na contracapa do disco. Ele ficou muito tocado de saber que a música dele tinha chamado atenção de uma cantora que não era ligada ao rock ou ao pop. Gravei a canção e fui ao estúdio da gravadora EMI mostra-la para o Renato. Ele ficou muito de feliz com o que ouviu. Disse que eu tinha feito um “musicão” em cima de uma “musiquinha”. Daí nasceu uma amizade, uma cordialidade muito grande.

ÉPOCA - Vocês compuseram juntos apenas a canção Hoje? Lembra-se como ela foi feita?
Leila - Em 1994, o Renato me ligou e perguntou se eu tocava bossa nova no violão. Ele veio para minha casa e ficamos a tarde toda trabalhando em uma música. A letra, na verdade, ele já trouxe pronta. Eu fui para o piano e toquei, sugeri uns acordes. O Renato ficou animadíssimo, pegou a fita com a gravação e foi embora. Eu não fiquei com nenhum registro da música. Ele pretendia dar essa canção para a Cássia Eller gravar, mas isso não aconteceu. Em 2001, eu soube que estavam preparando um projeto com canções do Renato e disse para o Marcelo Fróes (produtor musical) que deveria existir uma fita com essa música inédita. Ele a achou na estante do Renato. Só então eu a gravei e agora fiz uma nova versão para esse CD.

ÉPOCA - Você chamou o Dado Villa- Lobos para fazer participação especial em duas faixas. Há também no CD uma foto registrando uma visita do Marcelo Bonfá ao estúdio. Foi importante ter a opinião deles?
Leila - Eles fazem parte da Legião e desse trabalho. Na verdade, é uma homenagem aos três. Eu não conhecia o Bonfá pessoalmente, apenas o Dado. Se eu fosse eles, eu ficaria feliz em ser chamada, em tomar pé do que estava sendo feito. Eu também falei com a Carminha (irmã do Renato) que adorou o projeto. Todos foram muito cordiais e doces comigo.

ÉPOCA - Para os fãs, a Legião Urbana é quase uma religião. Você ficou receosa ao revisitar e dar a sua interpretação à obra do Renato Russo?
Leila - Não. Eu sou livre para fazer isso. Meu objetivo era homenagear o Renato e a Legião e sei que fiz da melhor maneira possível. Acho que os fãs da Legião vão gostar mais do show do que do disco. O show tem uma pegada mais rock’n’roll, tem muita guitarra. Eu faço Geração Coca-cola e Conexão Amazônica, as duas com a pegada forte de rock.

ÉPOCA - O CD conta também com a participação do Herbert Viana na faixa Quando você voltar, uma canção pouco conhecida do Renato. Por que pensou no Herbert para essa canção?
Leila – O trabalho do Herbert me toca especialmente. Ele foi colega de faculdade do Renato em Brasília, o conhecia muito bem. O Paralamas já estava na estrada quando o Renato trouxe a Legião Urbana para o Rio de Janeiro. Foi o Herbert que apresentou a banda para a gravadora EMI. Por todo esse contexto de amizade, de troca, de geração, eu o convidei para tocar nessa faixa. Ele ficou muito feliz de tocar uma música do Renato novamente, ainda mais por ser uma composição pouca conhecida. Foi uma emoção muito grande. A vida é muito louca. Quem imaginaria que o Renato não estaria mais aqui? E quase que o Herbert não está também...

ÉPOCA - Você surgiu como cantora de MPB nos anos 80, quando a geração do rock brasileiro estava a mil por hora. Você acompanhou todo o movimento que eles faziam? O que te chamava atenção?
Leila – Eu sempre acompanhei. Eu comecei a cantar em 1980, em Belém. Eu sou dessa geração. Eu gravei Marina, Frejat, Cazuza. De alguma forma, sempre estive ligado a eles. São estilos diferentes, mas não vejo limites. Como músico, como criadora, posso puxar tudo para “minha onda”. Foi o que fez Caetano Veloso com Billie Jean, do Michael Jackson. Ficou genial.

ÉPOCA - O CD saiu pelo selo Tacacá Music, que você lançou em 2007. Tem sido mais fácil colocar seus projetos nas lojas através do selo?
Leila – Artisticamente, sim. Eu tenho mais liberdade para criar. Ninguém me diz em qual época eu tenho que gravar, ou que tipo de disco eu tenho que fazer. Ter um selo é voltar a ser uma artista independente, assim como eu fui no início da minha carreira. Mas, claro, eu preciso de um apoiador. É tudo muito caro, não dá para competir. Nesse trabalho é a Biscoito Fino. Eu cheguei na gravadora com o disco pronto, mixado. Eles se encarregaram de colocá-lo nas lojas.

ÉPOCA -Tacacá é uma iguaria típica do Pará. Você é boa na culinária paraense?
Leila – Não faço nada. Só como! (risos). Cheguei de lá na semana passada. Acabei-me no sorvete e naqueles pratos todos deliciosos.